quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Perdendo a vergonha .


Eu sempre fui muito tímida. Muito mesmo. Daquelas que sentiam fome e continuavam sentindo fome por recusar o biscoito oferecido pela vizinha. Por VERGONHA ! Sentia vergonha por tudo. Vergonha de falar meu nome. Vergonha de responder "presente" na sala de aula. Vergonha de pedir licença pra ir ao banheiro. Vergonha de reclamar por algo que me incomodava. Vergonha de contrariar. Vergonha de contar que alguém me agrediu de alguma forma.

Mas que doidisse. Culpar os pais não adianta. O meio onde nasci também não. Mas tem mais coisa aí embaixo.

Sentir este tipo de timidez é muito estranho, agora que me lembro da sensação sei como é estranho.

A gente procura não incomodar o resto do mundo e talvez isso seja por baixa estima. Ou um complexo muito grande inferioridade. Mas não é pra descobrir o porque , que estou escrevendo e sim pra contar que estou perdendo a vergonha...a complaciva, a que ainda restava, a que fazia eu continuar sentindo fome ( não mais de comida) por recusar os biscoitos que a vida me oferecia.

Bipolares tem gosto pra tudo. Montanhas - russas ambulantes de duas pernas, oscilam mais que a previsão do tempo do Jornal Nacional.

Para perder a vergonha, vencer a timidez , eu precisei de neurotransmissores entrometidos e convencidos de serem super herois e de alguma disposição.

Tem muita gente que não conta o que dói. Continua sendo sufocado por uma vergonha que amadureceu e depois de adulta recebe outro nome : embotamento.

Já me peguei me embotando ( risos) - parece que tô calçando botas - e aí a gente sempre pára pra se justificar...ás vezes, por que como bipolares, nem sempre temos o controle ( quase nunca), ás vezes por que faz da cultura do individuo mesmo, outras por que não estar dentro da normalidade que o resto da cultura nos impoem é motivo de "vergonha".

Agora eu assumo o que eu realmente preciso e não mais o que agrada o resto do mundo. Agora eu assumo que sem tratamento eu seria nada. Sem tratamento eu continuaria tendo um vazio dentro de mim do tamanho do universo. Agora eu não tenho mais vergonha de rejeitar ou aceitar os biscoitos quando sinto fome. Porque o tratamento me deu algo que eu não conhecia : autonomia. Meu psique tem dona e ela se chama Keila Conci !

A loucura do dia-a-dia, as exigencias de trabalho, do mercado, da familia, continuam sim... mas hoje eu dou o que eu posso dar, agora eu vou até onde consigo ir e não tenho vergonha de dizer que só consigo "até aqui".

Uma amiga me disse que perder-se ás vezes também é o caminho.

Não sinto mais vergonha por não saber a resposta. Nem por admitir que passei um dia inteiro chorando por nada e que francamente, neste dia não produzi nada ! Nada que me valham palmas do restante do mundo ou que acrescente algo para enconomia do país.

Há dois dias, quase me enterrei por tanta tristeza que sentia. Ontem eu estava muito agitada. Hoje está dificil pra não misturar os assuntos e escrever algo que sirva pra você aí leitor. Perdoe a minha insanidade. Ela não serve pra dar conselhos. Mas é atrativa. Ás vezes até eu gosto de me ouvir. Alguns personagens são mais interessantes que os outros, confesso , mas cada um tem seu potencial. E hoje eu não sei bem qual deles usar, mas não sinto vergonha por isso. Afinal, perder a vergonha faz parte da trilha. E eu estou só no começo.


E viva o maluco beleza... aquele não penteia os cabelos e anda falando abobrinhas por aí. Tem uma parte de mim que sente pena. Pena por minha mente não se decidir e continuar neste meio termo: um pouca louca , um pouco sã.

Eu adoria arrastar tijolo com uma cordinha e ouvir todo mundo dizer que é normal !

Tá vendo... eu não tenho mais vergonha.


Fui.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Outras coisas.

Mudei de trabalho. Mudei de endereço. E isso fez diferença pro meu humor. Ou será que foi meu humor mesmo, sozinho, sem qualquer motivo que mudou?
Resumindo, meu humor está subindo e espero que não suba muito.
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Esta semana fui visitar, junto com alguns amigos da igreja, uma mulher que está moribunda na cama. Daí um deles me disse: " quando tu pensar que tem alguma doença, lembre dela , porque aquilo sim é doença!". Fiquei sem o que dizer, haja vistas que todos os outros concordaram. E diante de tal conclusão o que eu poderia dizer, afinal? Esbravejar, argumentar contra?
Visualmente a gente dá razão mesmo. O que é palpável, que se vê com estas duas bolitas grudadas na cara fazem toda a diferença.
Agora eu entendo o que quer dizer o ditado " o que os olhos não veem, o coração não sente".
E aquela outra citação "cada um sabe a dor que sente".
Por um momento, confesso, fiquei indignada. Como eles não se compadecem da minha dor?? Como???
Alteração de humor não é doença. Doença mesmo é não poder andar. Doença mesmo é o que acomete o corpo físico. Doença mesmo é o que escandaliza aos olhos, repugna os sentidos e causa piedade.
Daí também entendi o que está escrito na Palavra: " O Senhor é o meu refúgio e a minha forteleza e nEle (só nEle confiarei)* confiarei".
O resumo de onde devo depositar minhas expectativas e a certeza de que serei compreendida. Confiança a gente deposita em quem nos entende, mesmo que nossas confissões sejam débeis, insensatas para o restante do mundo, mas menos para o nosso confidente.
Aí eu compreendí a grandeza dessa possibilidade de repousar na confiança do Senhor Deus!
Um Deus que não olha com os olhos da carne ( as duas bolitas grudadas na cara), mas compreende o meu íntimo, aquilo que se eu contar pro meu melhor amigo, é capaz dele não entender.
Aceitei o conselho dos meus queridos e aproveitei a ocasião pra me tornar mais amigona do Todo Poderoso e contar pra Ele o quanto dói cada oscilação de humor e cada vez que tenho que recomeçar. Aproveitei pra me deleitar em toda a Sua compreensão.
E acredite, foi melhor do que se contasse pra gente com as bolitas na cara.
Não que eles não sejam necessários, claro que são !
Mas foi uma espécie de libertação da aprovação dos outros. Tive a sensação de estar bem protegida nos braços do Pai. Independente da piedade alheia.
The deep of your grace ! !
Há algum tempo eu pedi ajuda de "carne e osso". Ele me atendeu! Mas agora, me fez sentir o quanto é melhor a compreensão dEle !

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Disjuntores.

DESCRIÇÃO

"Os Disjuntores Bipolares são equipamentos de alta tecnologia que protegem fios e cabos elétricos contra curto-circuitos e sobrecargas de energia, proporcionando aplicações seguras e econômica sem instalações elétricas de todos os portes, nos setores: residencial, comercial e industrial. Para proteção de circuitos que alimentam especificamente cargas de natureza indutiva que apresentam picos de corrente no momento de ligação, como microondas, ar condicionado,motores para bombas, além de circuitos com cargas de características semelhantes a essas, utiliza-se Curva C."
É, o mundo não vive mesmo sem o nosso "espectro" !
hehehehe.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Espiral.

Como um espiral ao contrário, assim é a descida para um episódio depressivo, depois da mania ou hipomania.
Tristeza e solidão invadem cada célula do corpo. Gradual e constante, piorando cada vez mais. Vem o isolamento. Tarefas corriqueiras, simples, ficam paralisadas. Um simples banho se torna uma tarefa dificil. Vem o desejo de durmir e não acordar mais. Nunca mais.

O esforço pra sair da cama. O desespero enraizado na alma. O medo constante. A sensação de desamparo. Eu gostaria de não acordar outra vez.

Mas este querer não impede o dia de amanhecer, nem do resto do mundo continuar a sua corrida pra algum lugar lá na frente. Me disponho então, com muito custo, confesso, a me juntar aos outros.

E estou aqui, ás vezes ficando pra trás, ás vezes ultrapassando. Mas o que eu queria mesmo era manter o ritmo. O que eu queria mesmo era não precisar sentar na calçada tantas vezes...

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Temperamento.

Milhares de pessoas ao redor do mundo se destróem por não sentir dor, devido ao Mal de Hansen. Mais de 1% da população da Terra sofre com o Transtorno Bipolar e seus espectros. Nós somos quase 6,5 bilhões de pessoas e todas, sem excessão, tem algum tipo de dificuldade. Mas vou me ater aos que não sentem dor. A lepra, ou Hanseníase amortece os sentidos. O diabético defronta-se com perigo semelhante de perda de dor nas extremidades. Viciados em álcool e drogas podem também ter os seus sentidos amortecidos. Há pessoas que nascem com uma estranha deficiência chamada " indiferença congênita á dor". Para elas, a sensação de tocar um fogão quente é a mesma que tocar o chão da calçada. Nos bipolares também não há sinais de alerta em forma de dor que previnam o perigo. É preciso desenvolver uma forma de alerta que antecedam as crises, que identifiquem nossas emoções e reações como "válidas" ou não.
Um médico chamado Paul Brand desenvolveu um aparelho que converte as diversas temperaturas do corpo em cores berrantes, avisando assim, quando o corpo está sofrendo algum tipo de agressão. Ou seja, transforma em cores o que o organismo não consegue transformar em dor.

Como então, saber se meus pensamentos, decisões e emoções são minhas mesmo ou mero resultado de algum embotamento que eu nem percebí chegar?
Eu estou lutando para reconstruir minha identidade. Antes do tratamento eu fazia teatro, pintava, escrevia muito bem a respeito das emoções e relacionamentos afetivos. Hoje, não tenho mais aquele pique, nem o mesmo interesse. Sem contar inúmeros outros fatores que simplesmente desapareceram do meu temperamento.

Seria mais fácil se tivéssemos um "termograma" pra nos mostrar o que é realmente nosso e o que é do TAB. Mas não temos e nosso único medidor será a disciplina, e particularmente penso que também o agir do Senhor Jesus de forma íntima. Muito íntima. Tão íntima que será preciso eu me descobrir inteira, pra que Ele me refaça , com um novo caráter que possa dominar qualquer tipo de temperamento.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Teoria da Inversão

Na dor, qualquer tentativa de explicação parece engodo. Quando se trata da defesa cristã a respeito disso, piora um pouco, pois parece uma desculpa falsa, esfarrapada e mal articulada.
Por alguns dias eu tentei buscar a resposta pra'quela avalanche de acontecimentos, contínuos e castigantes que pareciam querer me engolir. Até eu compreender que não estava no "porquê" o meu alívio, mas em repousar nos braços invisíveis do meu Senhor, custou-me um pouco.
Meu propósito, afinal, é descrever a vida de uma mente bipolar que vai além dos medicamentos e encontra no poder vivificador do Espírito Santo, o controle, mesmo que no último instante de uma explosão de raiva durante uma crise maníaca, encontra forças pra sair da cama num episódio depressivo, e um resquício de lucidez nos momentos de euforia ou irritabilidade.
Nós que temos este tipo de patologia, não sofremos a dor necessariamente, no sentido fisiológico, mas sentimos os danos que ela causa em nossos relacionamentos, na perda de identidade, ás vezes até nos bens materiais. Ela corrói em ritmos diferentes, mas não menos destrutivos, caso não seja tratada adequadamente. E mesmo com o tratamento, que não suprime os episódios mas apenas ameniza, estamos sujeitos á crises violentas.
Alguns bipolares fazem uso de psicoterapia, praticam esportes ou qualquer outro tipo de atividade que possa colaborar com a medicação e ajudá-los a ter melhor qualidade de vida!
Eu corro. E minhas corridas no calçadão da Av. Paraná ajudam.
Mas nos últimos meses, entendí que preciso de algo que as atividades físicas não dão, nem a psicoterapia, nem qualquer outro tipo de auxílio pode proporcionar. Entendi que apesar de minha mente estar doente, minha alma e meu espírito precisam estar curados e livres, por que eles sim são o verdadeiro pilar que não deixa meu corpo adoecer, mesmo sendo acometido por males.
Há algumas semanas, orei a Deus para que me enviasse alguém que pudesse me ajudar. Minha familia não é próxima e acredite, normalmente nos isolamos quando estamos envoltos em espectros bipolares, como era o meu caso nestes dias. Ele amorosamente enviou!
Meus caros, é óbvio que as respostas do Senhor não são sempre rápidas assim e ás vezes elas nem vem do jeito que queremos recebê-las! Mas é certo que se houver disposição, Ele nos ensina a lidar com as dores, no que sou sinceramente agradecida por elas, pois foi assim que aprendi a olhar pra Ele.
Deus trabalha em mim diferente do resto do mundo, mas o que me permite compartilhar minha experiência é que em essência, somos iguais e estamos no mesmo ato de redenção.
Não me sinto vítima do acaso, muito menos castigada por um deus severo mas sou prova real da Teoria da Inversão! Que eu explico outra hora...hehehehe

terça-feira, 24 de junho de 2008

Post Mortem.

Os dias 2 tiveram gosto amargo desde então. Quer saber se eu surtei ? Pela graça de Deus, não.
Retirei o corpo do hospital. Organizei o funeral. Chorei. Quis morrer junto. Sentí raiva. E as horas se encheram de um vazio inexplicável.
Voltei ao trabalho na semana seguinte, bem. Surpreendentemente bem, contrariando as expectativas de quem esperava me ver internada desta vez. Não quis me afastar nem repousar. Decidí enfrentar a dor que pela primeira vez não era exagero da minha mente e eu a estava degustando insípida, clara como água cristalina.
Antes mesmo da sua morte, já havíamos conhecido á Jesus. Eu e ele fomos á uma igreja evangélica e encontramos sossego pra nossas almas. Mas eu precisei seguir só.
Não há como descrever ao certo uma sensação de perda como esta. Só quem vive sabe como é.
O processo todo foi confuso. Eu tentava suportar a dor , enquanto "me" cuidava pra não deixar escapar nenhum indício de episódio saltitante encilhado em neurotransmissores no meu cérebro. Sem esquecer de uma criança de 8 anos e todas as suas peculiaridades.
Mente, espírito e corpo nunca estiveram tão alinhados na minha vida! Nunca estiveram tão concentrados num único objetivo: manter a sanidade.
Foram 4 meses já. Foram 4 meses de muita luta interna. 4 meses mudando o foco. 4 meses tentando conhecer um Deus que mesmo sem explicar o porque de tanta dor, me fez entender que a dor é uma dádiva e que sem ela eu não teria nenhum senso de auto-preservação!
Eu comecei uma caminhada para a cura.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

De regresso...

Bah, demorei pra voltar aqui! Não sei nem como não deletei o endereço, certa que nunca mais teria paciência pra escrever neste trem. Mas só foi despontar um episódio hipomaníaco, daqueles que teoricamente não ferem os direitos de sossego do meu próximo nem me mandam pra um manicômio, que meus dedos formigaram em direção ao teclado. E pensar que faz quase um ano! Bom se tudo que foi interrompido, pudesse ser retomado assim, em alguns cliques.

Sem mais delongas minha gente, vou contar meus passos, cambaleantes eu diria, desde o first day em 2007.

Como eu previa não foi difícil aceitar e entender a doença. Mas ela causou um estraaaaago, assim mesmo, com vários a's no meu relacionamento amoroso, familiar e social. O diagnóstico acalmou os ânimos de alguns, que por fim entenderam por que a Keila era assim, desesperou a outros, minha mãe por exemplo, deixou a maioria incrédula, suspeita e meteu medo nuns cabras que aliás, faz tempo que eu não vejo !
Uns 3 meses sofridos. Sofridos mesmo. Pra todo mundo! Desenvolvi anorexia. Deixei meu sócio enlouquecido. Minha filha aos prantos, até novos amanheceres que trariam a promessa de dias melhores.
Voltei às atividades normais e percebi que não eram mais normais pra mim. Quer dizer, eu nunca fui normal. Não dentro da normalidade esperada pelos outros. Mas foi diferente. Desesperador talvez. Eu me encontrei lúcida, morrendo de medo do que havia dentro de mim. Me identifiquei com os AA's : " Só hoje Senhor! Me ajude a vencer só hoje."
Aí começou uma luta solitária e desenfreada pra me ajeitar dentro das reações adversas da medicação e tentar me conhecer, aprender a desengatilhar as armas que me faziam entrar em episódios dilacerantes com ciclagens que deixavam meu médico inquieto.
Recompuz, aos trancos e barrancos e com a ajuda de muita gente, meu cotididiano profissional enquanto perdia o grande amor da minha vida, meu marido, que havia me segurado em casa em crises que só eu e ele conhecemos, que havia amado uma louca bipolar enquanto o mundo inteiro oferecia coisas bem mais atraentes por aí. Escorreu pelos dedos. Perdemos o contato até a sua internação no dia 29 de janeiro, uma terça-feira, de 2008. O último "amo você". Dito com sofreguidão, sinceridade e uma vontade enorme de voltarmos atrás e fazermos tudo diferente.
Ele faleceu na madrugada do sábado, 02 de fevereiro, 4 dias depois do internamento, vítima de Miocardiopatia.
Reticências falariam mais do que qualquer palavra agora.

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